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Potencialidades e desafios das áreas protegidas no Brasil

Por Larissa Oliveira Gonçalves, Nina Lys Nunes e Roberta Montanheiro Paolino, pós-doutorandas no programa USPSusten da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, e outras autoras*

Larissa Oliveira Gonçalves – Foto: Arquivo pessoal
Nina Lys Nunes – Foto: Arquivo pessoal
Roberta Montanheiro Paolino – Foto: Arquivo pessoal

Estamos vivendo uma grave crise de perda da biodiversidade global. Logo ela, a característica mais singular do planeta Terra! Mas, afinal, o que isso significa e como nos afeta? Estamos falando da variedade de organismos vivos que existem em todos os lugares do planeta. A sua conservação garante que os ambientes se mantenham saudáveis e possam, assim, prover benefícios indispensáveis para a manutenção da nossa saúde e bem-estar. Ela nos oferece alimentos, solo fértil, regulação do clima, das chuvas, proteção dos corpos de água, controle de pragas e doenças, além de benefícios culturais, de lazer e contemplação.Apesar da sua importância, a biodiversidade vem sendo ameaçada principalmente pelas mudanças no uso e ocupação do solo, mudanças climáticas, poluição, exploração direta e pela presença de espécies exóticas e invasoras. Portanto, é urgente implementar estratégias para evitar ou conter a rápida destruição que estamos causando, como a criação e manutenção de áreas protegidas. Um sistema adequado de áreas protegidas é considerado o pilar das estratégias globais de conservação da diversidade biológica.

As áreas protegidas são espaços geográficos definidos, reconhecidos e gerenciados de forma a atingir a conservação do meio ambiente em longo prazo. Nesses espaços, o ambiente deve ser conservado e as atividades humanas são restritas a usos compatíveis com os objetivos de cada tipo de área. Devido a esse grau especial de proteção, as áreas protegidas são fundamentais para a sobrevivência de espécies sensíveis a alterações em seu ambiente e daquelas que necessitam de grandes áreas de vida para manterem suas populações.

No Brasil, as áreas protegidas são implantadas em terras públicas e privadas, e em zonas rurais e urbanas. As mais tradicionais são as Unidades de Conservação (UCs), Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs). Além dessas áreas, há as terras indígenas e quilombolas que são destinadas à proteção dessas populações que habitam tradicionalmente suas terras. As áreas verdes urbanas também são um tipo de espaço protegido e fornecem diversos benefícios percebidos em seu interior, como temperaturas mais amenas, maior umidade e melhor permeabilidade do solo à água da chuva.

As UCs são previstas pela Lei nº 9985/2000 e são classificadas em dois grupos – proteção integral e uso sustentável. As UCs de proteção integral, em geral, possuem regras mais restritas para acesso da população. No entanto, há categorias voltadas para a visitação pública, como os parques, que protegem paisagens de relevância ecológica e beleza cênica e são amplamente valorizados pela população. Algumas UCs de uso sustentável, por sua vez, estão associadas com a permanência de comunidades tradicionais, como as Reservas Extrativistas, que têm como um de seus objetivos o uso sustentável dos recursos naturais aliado à subsistência da população extrativista.

A APP (Lei 12651/2012) é uma área coberta ou não com vegetação que tem como objetivo proteger as funções exercidas por áreas dotadas de certa fragilidade, como o entorno de cursos d’água, lagoas, nascentes, encostas e topos de morros, restingas, manguezais, entre outras. Já a Reserva Legal (Lei 12651/2012) constitui uma porcentagem da propriedade rural que é ocupada com vegetação nativa e tem como objetivo o uso sustentável dos recursos naturais e a conservação da biodiversidade. A implementação desses dois espaços é obrigatória, sendo essencial para que as propriedades rurais façam o uso adequado dos recursos naturais.

No Brasil, do total de vegetação nativa remanescente, 32% estão dentro de UCs e terras indígenas, enquanto a maioria (68%) encontra-se em terras privadas ou sem titulação. Isso reforça a importância estratégica das terras privadas para a manutenção da biodiversidade e do bem-estar humano! Ainda que algumas espécies habitem áreas intensamente manejadas pelos humanos, outras têm sua sobrevivência e deslocamento prejudicados devido ao isolamento das áreas protegidas, que muitas vezes ficam rodeadas por áreas urbanas, agrícolas e estradas. Esse isolamento impede a reprodução entre as populações de espécies, o que pode levar a extinções locais. Nesse sentido, APPs, RLs e áreas verdes urbanas são elementos-chave na paisagem para facilitar o deslocamento de animais e plantas entre os diferentes tipos de áreas protegidas.

Tendo em vista a grande variedade de áreas protegidas e a complexidade envolvida no planejamento da paisagem e no regramento do uso da terra para que elas sejam implantadas e tenham sucesso, são muitos os interesses e os conflitos. Historicamente, a criação de áreas protegidas no Brasil foi marcada por decisões tomadas de cima para baixo, sem o envolvimento das populações locais, como a criação de UCs de Proteção Integral em áreas previamente ocupadas por comunidades tradicionais. Como resultado, as pessoas foram removidas dos locais em que viviam, muitas vezes sem uma postura ética e justa de indenização ou respeito à cultura local. Esse processo também resultou na sobreposição de áreas que possuem regras de uso e posse contrastantes, como terras indígenas, UCs e propriedades privadas, o que leva a divergências sobre o modelo de ocupação da terra e resulta em conflitos socioambientais.

Outro desafio para a consolidação das áreas protegidas como estratégia de conservação é a insuficiência de recursos para gestão das UCs frente a amplas ameaças como a perda e degradação de habitat, espécies exóticas invasoras, caça e exploração insustentável dos recursos naturais. Ainda, para além das UCs, as APPs e Reservas Legais em áreas privadas nem sempre são mantidas pelos proprietários e propostas de retrocessos na proteção dessas áreas por vezes despontam no Poder Legislativo.

Considerando esses desafios, para atingir a conservação e recuperação das áreas protegidas de forma justa, defende-se a interlocução entre os diferentes atores interessados. É necessário que todos os atores sejam incluídos no processo de tomada de decisão, além de considerar todos os diferentes interesses envolvidos e buscar ações conciliadoras. Dessa forma, haverá legitimidade nas decisões, além de engajamento e comprometimento dos atores, questões fundamentais para o sucesso de estratégias em longo prazo. Admite-se que o grande desafio contemporâneo é saber como articular os diferentes olhares da sociedade e da ciência, desde as disciplinas sociais aplicadas até as ciências ambientais e exatas.

É imprescindível estimular a relação dialógica entre gestores públicos, sociedade civil e universidades, em espaços coletivos e democráticos, base para o acontecimento de uma função participativa em projetos de conservação da biodiversidade. É nesse sentido que o Programa USPSusten, coordenado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) da USP, entendendo o desafio da integração e diálogo, busca articular e integrar diversas esferas do conhecimento a fim de enfrentar cientificamente as questões socioambientais.

Por meio do financiamento de pesquisas de pós-doutorado, o programa visa gerar conhecimento para a construção de sociedades sustentáveis, a conservação do meio ambiente e a formação de recursos humanos comprometidos com tais objetivos. As pesquisas do núcleo “Biodiversidade” do Programa USPSusten se alinham com esse propósito e trazem contribuições para a gestão das áreas protegidas e seu diálogo com a sociedade, pois se concentram em analisar:

• as compensações ambientais em UCs,
• o uso público das reservas ecológicas da USP,
• as medidas de mitigação e compensação de impactos ambientais de empreendimentos,
• e a efetividade de políticas públicas para conservação e uso sustentável da flora ameaçada de extinção, valorizando a sociobiodiversidade.

Tais temas são desenvolvidos junto a diversos atores não acadêmicos, buscando diminuir a lacuna entre ciência e prática, um dos grandes desafios para a conservação da biodiversidade.

* Adriana Sandre e Ligia Maria Barrios Campanhão, pós-doutorandas no Programa USPSusten da Superintendência de Gestão Ambiental da USP

Artigo publicado originalmente no Jornal da USP em 14/6/2023.

Pesquisadores do Programa USPSusten apresentam relatório de suas atividades

O encontro dos pós-doutorandos do USPSusten foi realizado no último dia 7, na Sala do Conselho Universitário, e contou com a presença do reitor e de demais autoridades da USP*

31 pós-doutorandos do USPSusten apresentaram os resultados de seus trabalhos nos primeiros seis meses do programa – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho, a Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) organizou um evento de apresentação dos relatórios das atividades realizadas pelos pós-doutorandos do Programa USP Sustentabilidade (USPSusten) nos primeiros seis meses de pesquisa.

A superintendente de Gestão Ambiental, Patrícia Faga Iglecias Lemos, compôs a mesa da cerimônia e, em sua fala de abertura, colocou o meio ambiente como um direito da presente geração e também das futuras. Segundo ela, “eventos como o da apresentação desses relatórios são necessários, pois é importante que nós tenhamos esse momento de alerta para as ações que são necessárias em relação à questão ambiental”.

Já o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior parabenizou os trabalhos desenvolvidos e afirmou que sua intenção, ao priorizar o desenvolvimento sustentável na sua administração, é “colocar a Universidade no mesmo patamar de discussão sobre sustentabilidade que a sociedade e a classe política. Espero entregar ao final da minha gestão uma USP muito mais sustentável do que a de quando eu assumi”. Carlotti também recomendou que os pós-doutorandos atentassem aos impactos de suas pesquisas no mundo.

Também estiveram presentes no evento os assessores da SGA, Eduardo Tomasevicius Filho e Tamara Maria Gomes, a prefeita da Cidade Universitária, Raquel Rolnik, e o vice-prefeito, Wagner Costa Ribeiro.

Ao todo, foram apresentados 31 projetos de pesquisa relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e baseados nas mais diferentes áreas do conhecimento. Na ocasião, também foi exibido o trailer do filme Nossa Floresta, dirigido por Gabriel Mendeleh, que conta a história da criação da Floresta da USP, em Ribeirão Preto. Premiada no Festival Oito e Meio em Roma, na Itália, e no Venus Community Awards, em Istambul, a produção está disponível na íntegra no canal do YouTube da Superintendência de Gestão Ambiental.

*Matéria originalmente publicada em 13/6/2023 no Jornal da USP.

Ciência e políticas públicas: a contribuição das pesquisas da USP no diálogo para a sustentabilidade

Por Ana Claudia Pereira Carvalho, Caroline Krüger, Juliana de Oliveira Vicentini, pós-doutorandas do programa USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, e outros autores*

Ana Claudia Pereira Carvalho – Foto: Arquivo pessoal
Caroline Krüger – Foto: Arquivo pessoal
Juliana de Oliveira Vicentini – Foto: Arquivo pessoal

A pesquisa científica é fundamental para as políticas públicas de sustentabilidade. Sua relevância reside no fato dela auxiliar na tomada de decisões pautadas em evidências e não em opiniões. Contudo, ainda há dois grandes desafios pela frente: a utilização dos resultados das pesquisas científicas pelos formuladores de políticas públicas e o acesso dos pesquisadores aos dados públicos que subsidiem suas análises.

As atuais crises vivenciadas em âmbito mundial (socioeconômicas, ambientais e sanitárias) demonstraram que a produção da ciência e a construção de políticas públicas são indissociáveis. Elas possuem um objetivo comum que é a construção de uma sociedade mais equânime e ambientalmente sustentável. Portanto, ambas precisam caminhar lado a lado, amparando-se e retroalimentando-se. De modo a contribuir com o diálogo entre ciência e políticas públicas, este artigo apresenta as pesquisas desenvolvidas pelo grupo Meio Ambiente, Gestão Ambiental, Resíduos Sólidos, Recursos Humanos, Saúde Ambiental, Segurança Alimentar e Comunicação Ambiental, que é um dos apoiados pela Superintendência de Gestão Ambiental da USP e conduzido no âmbito do Programa USPSusten. As pesquisas foram propostas visando ao enfrentamento das urgências ambientais impostas pela atualidade, sem perder de vista o necessário diálogo com as políticas públicas. Os temas abordados dialogam diretamente com a Agenda 2030, composta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS propostos pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2015, e adotados pelos países signatários, dentre eles, o Brasil.

Uma questão inicial e transversal a todos os temas em pauta é o acesso aos dados, isso porque a pesquisa científica é embasada por estes, e a sua respectiva disponibilidade pode facilitar o acesso à informação, que pode ser usada para gerar conhecimento e, consequentemente, melhorar a aplicação nas políticas públicas. Neste ínterim, desde 2011, no Brasil, o acesso aos dados públicos vem sendo ampliado, momento no qual foi sancionada a Lei de Acesso à Informação. Ainda assim, o formato disponível dos dados não é padronizado, e algumas entidades ainda não têm sistemas amigáveis para obtenção de dados brutos nem oferecem uma análise preliminar dos mesmos.

Para que os dados sejam transformados em informação de fácil entendimento e aplicação para dar suporte às políticas públicas, podem ser utilizadas técnicas computacionais para coleta, fusão, análise, extração de conhecimento e disseminação de dados e informações. Por meio de ferramentas simples e disponíveis que entreguem análises e visualização dos dados públicos é possível agilizar a interpretação dos especialistas. Além disso, a conjunção dessas informações pode ser usada para avaliar a eficácia das políticas existentes e para identificar áreas onde são necessárias ações. Dados de saúde pública podem ser usados para desenvolver políticas de prevenção de doenças e melhorar o acesso aos serviços de saúde. Já os dados obtidos com imagens de satélite podem ajudar a entender como as atividades humanas estão impactando o meio ambiente e como as práticas sustentáveis podem ser adotadas para minimizar esses impactos.

No contexto ambiental é imprescindível a utilização de dados dos meios físico, biótico, bem como das ações antrópicas para auxiliarem na elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A integração e a interpretação desses dados são essenciais para compreender a dinâmica ambiental de uma determinada região e assim propor estratégias sustentáveis. No meio rural, por exemplo, deve-se considerar o avanço econômico, sem esquecer o uso adequado dos recursos naturais, os serviços ecossistêmicos, e, ao mesmo tempo, todos os fatores que se relacionam com a saúde ambiental. Uma maneira para alcançar as metas da sustentabilidade no meio rural está diretamente relacionada com os sistemas de produção agropecuários, que podem incluir inúmeras técnicas e tecnologias para atingir o nível ideal para um ambiente equilibrado e, além disso, geram empregos, renda e ganho na produção.

Neste sentido, se faz necessário considerar nas políticas públicas essas novas proposições a serem aplicadas no campo, pois investir em produção sustentável é o caminho para se obter condições favoráveis que refletirão diretamente na qualidade de vida das gerações futuras. As práticas sustentáveis aplicadas aos sistemas de produção agropecuários possibilitam diversos benefícios, por exemplo, a conservação do solo e a ciclagem de nutrientes, o aumento do estoque de carbono no solo, a redução acentuada das emissões de gases de efeito estufa, entre vários outros. Alguns desses benefícios contribuem diretamente para atingir as metas climáticas, sendo que a intensificação das ações humanas vem acelerando os impactos negativos provocados pelas mudanças climáticas, causando riscos não só no meio rural, mas também no urbano.

Deste modo, não é mais opcional responder às mudanças climáticas, pois os seus efeitos já são observados em todo o mundo. Nas áreas urbanas, são sentidas as variações bruscas nas temperaturas, no regime de chuvas, com enchentes e deslizamentos de terra e períodos mais frequentes e duradouros de seca. O aumento do nível médio do mar soma-se a essa lista no caso das cidades costeiras. Esses impactos não afetam igualmente todas as pessoas, porque as desigualdades construídas por relações de gênero, etnia, faixa etária, cor, raça e situação econômica implicam diferentes níveis de vulnerabilidade e, por consequência, diferentes níveis de capacidade de resposta. Além disso, o desafio envolve os níveis municipal, metropolitano, estadual, nacional e internacional de governança, uma vez que as causas e os impactos da mudança do clima não estão restritos às fronteiras geográficas. No caso da adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, o desenvolvimento urbano e gestão do uso do solo, ambiente construído, infraestrutura urbana e serviços, meio ambiente, agricultura, saúde e gestão de desastres são setores-chave envolvidos. Todos esses pontos precisam ser contemplados nas políticas públicas relacionadas à adaptação e resiliência, já que as mudanças climáticas interferem em uma série extensa de desafios existentes e emergentes, entre eles o crescimento populacional, erradicação da pobreza, saneamento e escassez de água e de alimentos.

Com esse intuito, para além da produção sustentável de alimentos, é preciso aproximar as pessoas que vivem em insegurança alimentar da comida saudável. Pesquisas amostrais apontam que características socioeconômicas (como baixos rendimentos da família, baixa escolaridade e moradias sem saneamento básico) e demográficas (maior presença de crianças e de população autodeclarada negra, por exemplo) estão associadas à dificuldade de garantir a segurança alimentar plena. Para além disso, residir distante de estabelecimentos que comercializam alimentos in natura (como frutas, legumes e verduras) e minimamente processados (como arroz, feijão e leite) pode incentivar o consumo de alimentos ultraprocessados, como salgadinhos e bebidas açucaradas, potencializando o desenvolvimento de doenças crônicas. Mapear nas cidades onde concentram-se e sobrepõem-se essas situações pode subsidiar os poderes públicos locais e regionais a direcionarem ações de combate à fome de maneira mais assertiva. Essas ações são transversais e englobam a elaboração de políticas de erradicação da pobreza, a melhoria da educação e a ampliação do saneamento básico. A curto prazo, devem ser pensadas políticas públicas que impliquem instalação de cozinhas e de restaurantes populares, promoção de feiras livres e incentivo à construção de hortas comunitárias, por exemplo.

Complementarmente à questão alimentar, sua produção e consumo, está o gerenciamento destes e dos demais resíduos urbanos, visto que seus impactos podem ser irreversíveis, interferindo na forma como as gerações atuais e futuras vão suprir as suas necessidades. As instituições de grande porte são consideradas grandes geradoras de resíduos sólidos urbanos, e se comparam às pequenas cidades, gerando um alto volume das mais diferentes tipologias de resíduos sólidos (resíduos comuns recicláveis, orgânicos, químicos perigosos, das áreas de saúde, dentre outros). Essas organizações também estão sujeitas ao que está previsto na Política Nacional dos Resíduos Sólidos, sendo que um dos principais aspectos é o da responsabilidade compartilhada, que estipula a participação direta de toda a sociedade pelo ciclo de vida dos produtos. No contexto de inclusão de políticas públicas, é um dos papéis centrais das organizações, e especialmente das instituições de ensino, a promoção da gestão operacional e administrativa dos resíduos sólidos de modo participativo e integrado, estimulando e entregando à sociedade políticas e práticas que levem a mudanças em direção à sustentabilidade.

Uma aliada a todas as temáticas citadas é a comunicação ambiental em virtude de seu caráter de difusão de conhecimentos científicos para a sociedade. Ela também é de extrema relevância para as políticas públicas. A comunicação possui potencial de mobilização popular e governamental, e amplo poder informacional. Em virtude de seu caráter de mobilização, ela pode influenciar a criação de políticas públicas, auxiliar na identificação de cenários alternativos àquele que carece de intervenção, criar consenso ou rejeição a determinada proposta e engajar as partes interessadas a reivindicar por políticas públicas. No que tange ao seu aspecto informacional, a comunicação deve ser empregada para comunicar a criação, o andamento, os envolvidos, os recursos financeiros investidos e a avaliação das políticas públicas. Somado a isto, a comunicação também diminui o distanciamento entre o Estado e a sociedade. Isso ocorre porque ela propicia um ambiente dialógico que facilita a participação popular, ou seja, a comunicação pode ser um mecanismo para que as políticas públicas não sejam conduzidas de maneira verticalizada, isto é, hierarquizada de cima para baixo, fortalecendo assim o Estado democrático.

As respostas aos desafios da sustentabilidade, sejam eles nas temáticas citadas – acesso à informação, saúde ambiental, mudanças climáticas, insegurança alimentar, gestão de resíduos sólidos, comunicação ambiental – e outras, dependem da congruência e efetividade das políticas públicas, e estas, essencialmente do fator humano. Isso porque as atuais crises coletivas resultantes de calamidades ambientais, pandêmicas, guerra, fome e profunda desigualdade socioeconômica têm principalmente sua origem induzida pelo ser humano. Além disso, é o gestor público ou privado que pode decidir de modo responsável sobre as políticas governamentais ou organizacionais, visando ao desenvolvimento perene que priorize o bem comum ao interesse individual, e o longo prazo à satisfação imediata. Para isso, como abordado neste artigo, é imprescindível o fortalecimento do diálogo entre a ciência e as políticas públicas, visando ao fomento ao conhecimento, habilidades, valores, disposições e atitudes para a sustentabilidade, ou seja, competências para o desenvolvimento sustentável. De modo que os decisores se tornem agentes de mudança, de forma a proporcionar conservação ambiental, equidade e inclusão econômica, e sociedades engajadas e responsivas para a sustentabilidade.

* Elaine Campos, Fabiana Barbi Seleguim, Joice Genaro Gomes e Carolina Ribeiro Xavier, pós-doutorandas do programa USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP

Artigo publicado originalmente no Jornal da USP em 31/5/2023.

Universidade de São Paulo: Rumo à transição energética nos campi

Por Beethoven Narváez-Romo, Mayara Regina Munaro, Milena Cardoso de Freitas Murari, pós-doutorandos do USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental, e outros autores*

Beethoven Narváez-Romo – Foto: Arquivo Pessoal

 

Mayara Regina Munaro – Foto: Arquivo Pessoal

 

Milena Cardoso de Freitas Murari – Foto: Arquivo Pessoal

A Universidade de São Paulo (USP), uma das dez universidades melhor conceituadas no que tange aos campi mais sustentáveis do mundo, continua promovendo um campo fértil para ações de desenvolvimento sustentável para a sociedade. Isto permite gerar processos e soluções justas, equitativas e escaláveis para responder aos desafios climáticos de um planeta em mudança. Dentre algumas das ações de desenvolvimento sustentável aplicadas nos campi, ações direcionadas à implementação de energias renováveis e edificações sustentáveis são alvo de pesquisas dentro do Programa USP Sustentabilidade (USPSusten), desenvolvido pela Superintendência de Gestão Ambiental.O desenvolvimento dos campi precisa estar alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com a Política Ambiental da Universidade (Resolução nº 7465/2018), atendendo às premissas atuais de descarbonização. Essa liderança, nas instituições de ensino superior nacional e de países em desenvolvimento, deve abranger um processo colaborativo no desenvolvimento de um plano sustentável sistêmico, nas dimensões social, ambiental e econômica, inter e multidisciplinar, priorizando e valorizando o uso e aplicação do conhecimento científico produzido pela USP.

Dentre o escopo de uma edificação sustentável direcionada à descarbonização e à transição energética, conceitos relativos a edifícios “zero carbono” (net-zero carbon) e “de energia zero” (net-zero energy) estão cada vez mais em destaque em certificações e rotulagens ambientais. Essa visão requer ao menos uma estratégia tripla:

1) reduzir a demanda de energia e aumentar a eficiência energética,
2) descarbonizar o sistema de energia e
3) abordar o carbono incorporado armazenado em materiais de construção. Além disso, as edificações precisam ser descarbonizadas durante todo o seu ciclo de vida, ou seja, desde o estágio de concepção até o fim-de-vida, aumentando assim a resiliência dos edifícios.

Em termos de custos operacionais, de acordo com a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, destaca-se que o valor total pago em energia elétrica em 2015, apenas pelas Universidades Federais do País, foi em torno de R$ 430 milhões. Isto contribuiu com cerca de 9% dos gastos apurados em 2015, sendo assim um dos principais itens de custeio das instituições públicas de ensino superior. No caso da USP, o campus da Capital apresentou em 2019 (antes da emergência sanitária gerada pela covid-19) consumo mensal de energia elétrica em torno de 6,5 GWh, sendo que cerca de um terço do consumo usualmente é destinado ao acionamento dos sistemas de ar-condicionado. O custo do consumo mensal demandou R$ 3 milhões para o Estado, segundo informações da Prefeitura do Campus.

Nesse sentido, a USP já implementou projetos fotovoltaicos em alguns edifícios do campus. Entretanto, atualmente a geração fotovoltaica instalada no campus da Capital representa menos de 1,3% de toda a energia consumida em 2019, sendo a maior parte desta geração localizada nas instalações do Instituto de Energia e Ambiente (IEE).

Por esta razão, pesquisas no âmbito do Programa USPSusten estão sendo desenvolvidas junto ao Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do IEE com o intuito de avaliar o potencial fotovoltaico do campus através do uso de sistemas solares Building Applied (BAPV) ou Building Integrated (BIPV). Estudos em andamento têm demonstrado que os prédios da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica (Poli), do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) têm o potencial de gerar 38%, 26%, 23% e 12% do consumo próprio, respectivamente, atingindo um Performance Ratio (PR) entre 75% e 80% a depender dos níveis de sombreamento e orientação dos telhados. Contudo, ressalta-se que algumas destas unidades precisam de reformas nos telhados de forma a permitir a instalação segura desses sistemas. Cabe mencionar que os estudos realizados não estão restritos às quatro unidades citadas. Ações semelhantes estão em andamento nos campi USP do interior e em outras unidades do campus da Capital.

Estudos que visam à redução do consumo elétrico para climatização também estão sendo foco de interesse, especificamente o uso da energia geotérmica superficial, que é a energia na forma de calor armazenada no subsolo. Para sua utilização é necessária a associação de uma bomba de calor aos trocadores térmicos instalados no solo, que pode ser utilizada para o aquecimento ou resfriamento dos edifícios.

Apesar do uso da energia geotérmica estar previsto no Plano Nacional de Energia (PNE) do Brasil para 2050 e já ser difundido em outros países, pouco se sabe sobre a sua aplicação em condições de solo e clima tropicais, onde a demanda é, na sua maioria, por resfriamento. No campus USP da Capital está em construção o Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS), no qual se pretende testar o uso da geotermia utilizando as estacas de fundação como trocadores de calor com o solo. Ensaios preliminares de troca térmica foram realizados e espera-se otimizar soluções de uso que buscam o equilíbrio das temperaturas do solo e maior eficiência do sistema em função da demanda térmica da edificação.

Além da implementação de energias renováveis nas edificações da USP, projetos relacionados com o gerenciamento dos resíduos também estão sendo investigados, visando também à conversão de energia. Uma das rotas é a geração de biogás, uma fonte de energia renovável e estocável, por meio da biodigestão anaeróbica dos resíduos orgânicos. O IEE possui uma planta de biogás em escala industrial para fins de produção de energia elétrica utilizando os resíduos gerados dentro do campus. A usina de produção de Bioenergia e Biofertilizantes conta com três biorreatores de 430 m3 cada e potência instalada de 330 kW. Com capacidade de receber aproximadamente 43 toneladas de resíduos de alimentos e podas, tem potencial de produção de 4.500 m³ de biogás por dia, podendo também receber resíduos orgânicos de seus arredores. A geração de energia é realizada de forma integrada à produção de energia solar.

A planta de produção de biogás, a ser inaugurada em meados de maio de 2023, encontra-se em fase de licenciamento junto ao órgão estadual Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e já tem servido como vitrine para disseminação do conhecimento a respeito de biogás e desenvolvimento de pesquisa e inovação multidisciplinar com grupos diversos da Universidade. Sendo uma localidade estratégica para envolvimento de diversos stakeholders do setor, é um ambiente de formação de mão-de-obra capaz de expandir os resultados obtidos em quaisquer projetos.

O campus simula um ambiente urbano com todos os serviços e utilidades: restaurantes, circulação de frotas particulares e coletivas, geração de resíduos, moradia, bancos, entre outros. Tornando esse, portanto, um ambiente propício para simulação em uma escala representativa dos impactos de novos modelos e arranjos técnicos. Como parte do Programa USPSusten alguns estudos têm sido desenvolvidos para otimização da produção de biogás, criação de manuais de procedimentos e estudos concentrados na utilização do digestato resultante da produção de biogás como biofertilizante em hortas e áreas ajardinadas do campus.

Por fim, o projeto de acesso ao uso de transporte sustentável também é de interesse da USP. O setor de transporte é caracterizado pela dificuldade de descarbonização. Desse modo, o hidrogênio apresenta-se como um dos vetores energéticos da transição energética. O hidrogênio, especificamente o hidrogênio verde, é um vetor de energia estratégico dentro do contexto do uso das tecnologias de zero emissões rumo à descarbonização e a uma economia sustentável. A sua produção é desenvolvida mediante o uso da eletrólise da água em conjunto com uma fonte de energia renovável, mormente, energia solar fotovoltaica e energia eólica. O Brasil não só tem um enorme potencial dessas energias, mas também apresenta vantagem em referência ao setor sucroenergético, cuja participação na matriz energética primária contribui com 19% da oferta total de energia. Em 2021, esse setor apresentou um excedente de eletricidade injetado à rede equivalente a 20,2 TWh, 3.1% do valor total da matriz elétrica. Em termos de produção de hidrogênio verde, isso equivale a um potencial de produção de 0,54 milhões de toneladas ao ano. Além disso, a rota de produção de hidrogênio baseado na reforma do etanol também está na agenda de pesquisa da USP.

Nesse sentido, a USP junto à Shell Brasil, Hytron, Raízen e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) trabalham de forma conjunta na construção de uma planta-piloto que prevê a operação de dois ônibus com tecnologia de célula de combustível e hidrogênio. A planta-piloto prevê a construção de uma pequena planta de produção de hidrogênio por meio da rota da reforma do etanol (Ethanol Steam Reforming – ESR), com capacidade de produção de hidrogênio de 4,5 kg/h. Embora o contexto da incorporação do hidrogênio no setores de economia pareça diáfano e feérico, entende-se que ainda existem grandes desafios a serem superados, como o armazenamento do hidrogênio, rede de distribuição e transporte, eficiência e consumo de água nas rotas de conversão de energia, maturidade da tecnologia, entre outras.

Diante do exposto, apresentou-se algumas ações que estão sendo realizadas pela USP rumo a uma transição energética dos campi e seu uso em edificações sustentáveis. Observa-se que a aplicação das pesquisas e inovações desenvolvidas nos próprios campi, como a geotermia, a geração fotovoltaica, o biogás e o uso de hidrogênio são rotas inovadoras e potencializadoras de transformar as edificações e a USP em um berço de inovação e de desenvolvimento sustentável. No entanto, embora algumas tecnologias já estejam maturas, como a fotovoltaica, outras precisam de mais estudos e investimentos, como é o caso da geotermia e hidrogênio, só para mencionar algumas poucas. Por fim, destaca-se que o presente artigo só levou em conta algumas das soluções que estão sendo realizadas dentro do contexto do programa USPSusten. Outras soluções também estão sendo abordadas por diferentes áreas de pesquisa dentro da USP.

Julio Romel Martinez Bolaños e Priscila Camiloti, pós-doutorandos do USPSusten, da Superintendência de Gestão Ambiental da USP

Artigo originalmente publicado no Jornal da USP em 18/5/2023.

Justiça climática e o papel da universidade

Por Luciana Ziglio, Jéssica Weiler e Carolina Fernandes, pós-doutorandas do programa USPSusten da Superintendência de Gestão Ambiental da USP, e outros autores*

Luciana Zigilo – Foto: Arquivo Pessoal

 

Jéssica Weiler – Foto: Arquivo Pessoal

 

Carolina Fernandes – Foto: Arquivo Pessoal
Mal finalizamos o primeiro trimestre de 2023, e as tragédias climáticas já confirmam o que o relatório-síntese do Sexto Ciclo de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), anunciado no final de março deste ano, declarou: as mudanças climáticas já estão postas e vêm acontecendo no planeta. A frequência e a intensidade em que esses eventos estão ocorrendo – as chuvas, as secas, o calor e frio extremos e os incêndios – geram incerteza até mesmo nos mais céticos em relação ao aquecimento global, afinal vivemos um momento atípico, com constantes catástrofes climáticas.Não há como contestar, a humanidade está em perigo; cada qual com maior ou menor grau de vulnerabilidade, mas todos seremos afetados. Dean Curran contesta o sociólogo alemão Ulrich Beck, que, em 1986, declarou em seu livro Sociedade de Risco: Rumo a uma Outra Modernidade que o conceito de classe não será mais adequado para entender a nova realidade social. Para Curran, as classes continuarão a ser relevantes para a vida individual e a emergência da sociedade de risco. A consequente “distribuição de perdas” associa renda e riqueza com a relação de classes, o que vai se tornar um fator essencial para a vida dos indivíduos; dois exemplos para isso são a questão da moradia e a insegurança alimentar.
As consequências de tragédias, como a que ocorreu no mês de fevereiro de 2023 no Litoral Norte de São Paulo, são vivenciadas por todos, mas os que sofrem os maiores impactos são os menos providos de riquezas, sustentando a crítica de Curran. Os desmoronamentos decorrentes das fortes chuvas deixaram desabrigados e mais de 60 mortos; e, se mensurarmos, os maiores impactos ocorreram em áreas classificadas como de risco. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou que o governo debate internamente a edição de um decreto para reconhecer estado de emergência climática em 1.038 municípios mapeados como mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, para assim agir de maneira contínua minimizando os desastres.

World Resources Institute (WRI), em seu apanhado do relatório-síntese do AR6 do IPCC, declarou que entre 2010 e 2020, por exemplo, a taxa de mortalidade de tempestades, inundações e secas foi 15 vezes mais alta nos países mais suscetíveis às mudanças climáticas. Além disso, as populações mais vulneráveis são as que historicamente menos contribuíram para o aquecimento global.

Nesse sentido, a definição de justiça climática vem da apreensão que os impactos desse aquecimento atinjam de maneira desigual os diferentes grupos sociais. Para o IPCC (2023) a justiça climática pode permitir a adaptação e ações de mitigação ambiciosas e desenvolvimento resiliente ao clima, com resultados de adaptação fundamentados nas áreas e pessoas com maior vulnerabilidade aos riscos climáticos. Apesar do crescimento dos níveis de emissão per capita de países do Sul global, ainda há grandes disparidades econômicas, históricas e sociais que distinguem tanto a contribuição quanto as estratégias de mitigação e adaptação adotadas.

A implantação dessas estratégias leva a práticas de prevenção e mitigação que vêm sendo conduzidas local e globalmente visando a reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) e consequentes alterações do clima. Em relação à prevenção temos, por exemplo, o aumento da eficiência energética, uso de combustíveis de baixo carbono, implantação de energia renovável; já as práticas de mitigação podem ser soluções baseadas na natureza (Nature Based Solutions – NBS), captura e armazenamento de CO2 (Carbon Capture and Storage – CCS), captura e utilização do CO2 (Carbon Capture and Utilization – CCU) e carbonatação mineral.

Destaca-se que as técnicas para captura de carbono são especialmente importantes para fontes estacionárias de emissão de GEE, tal como uma indústria com queima de combustíveis fósseis. Isso porque, se limitarmos a emissão pontualmente, impedimos que os gases sejam disseminados na atmosfera. Pensando em termos de justiça climática, isso pode ser ainda mais relevante: se os empreendimentos possuem responsabilidades, recursos financeiros e técnicas disponíveis para gerenciamento dos seus resíduos (nesse caso, o resíduo gasoso), a sociedade em geral não deveria ser corresponsável pela mitigação de tal impacto.

Além de medidas técnicas, instrumentos econômicos se tornaram comum globalmente, como a precificação de carbono, que permite que os custos que atividades econômicas geram na sociedade sejam propriamente contabilizados. Por outro lado, esse custo tende a elevar a carga tributária e recai sobre grupos de faixas menores de renda, em geral, a população mais exposta às mudanças climáticas. Significa, portanto, que qualquer que seja a escolha política, esta deve considerar a justiça climática na formulação de ações de mitigação e igualmente de adaptação, de modo a evitar ou limitar a exposição da população às condições de risco e vulnerabilidade.

Vale destacar que as ações praticadas em prol da gestão dos resíduos sólidos urbanos e redução de GEE expressam arranjos dos atores envolvidos. Deste modo, há uma complexidade de técnicas, saberes sociais e científicos para os temas de geração, redução, tratamento (por exemplo, reciclagem) existentes em escalas locais e globais.

Neste sentido, compreender a química envolvida nos processos que resultam a composição atmosférica, desde a contribuição por fontes até as diferentes formas de interações na atmosfera, constitui um processo extremamente complexo, mas de suma importância para controlar e reduzir o impacto na saúde das pessoas, nos ecossistemas naturais e nas mudanças climáticas. Estudos voltados ao entendimento e diagnóstico da composição atmosférica envolvem englobar estes diferentes processos, fontes, mecanismos, interações e reações.

Sendo assim, a universidade tem papel fundamental nos estudos para o enfrentamento das questões climáticas de diversas formas. A primeira, e talvez mais fácil de identificar, é a produção de conhecimento a respeito dos fenômenos físico-químico-meteorológicos envolvidos. Entender, por exemplo, quais são as necessidades humanas e atividades econômicas que mais contribuem com emissões de GEE. Quais as perspectivas para os eventos extremos, distribuição de chuvas, umidade do solo, aumento do nível do mar, bem como suas potenciais consequências sociais e econômicas, nos vários cenários, na perspectiva do local ou região em que a universidade é atuante? Como isso pode afetar a agricultura, a indústria, o transporte, a habitação, a estrutura da defesa civil, apenas para citar alguns assuntos? Identificar soluções existentes e desenvolver novas soluções para mitigação e adaptação climática: qual o potencial para energia solar, eólica e biocombustíveis? Quais os processos para produção e transporte de hidrogênio verde? Quais as vantagens e desvantagens dos métodos de recuperação de vegetação nos nossos vários biomas? Como usar a tecnologia para agilizar os sistemas de defesa civil?

O preenchimento dessas e outras lacunas propicia um melhor embasamento para formulação de estratégias de mitigação e adaptação, assim como, também, para tomadas de decisões e direcionamento de regulamentações para reduzir os impactos locais e globais dentro do cenário de mudanças climáticas.

Paulo Artaxo afirma que não faltam ferramentas, mas sim um governo que se preocupe realmente com a emergência climática e a população mais carente. Assim, identificar as demandas da sociedade, produzir conhecimento e difundi-lo é papel central das universidades. Fonte da produção de novos conhecimentos, advindos das pesquisas básicas, a partir da produção acadêmica das diversas áreas do conhecimento, espera-se a concepção e implementação de políticas públicas que contribuam para a efetiva justiça climática.

De fato, as políticas públicas assumem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais sustentável e de baixo carbono. Mas adotar iniciativas de mitigação e adaptação requer um entendimento sobre os possíveis impactos e o desenho mais apropriado para minimizá-los, principalmente aqueles que oneram a população mais vulnerável, e aí está a centralidade das universidades.

Tais orientações colaboram para um aperfeiçoamento quanto às infraestruturas verdes, ao saneamento, à habitação e à educação em áreas urbanas e rurais. Identifica-se, conjuntamente, a existência de nexo entre justiça climática e cidadania para uma mudança da agenda global do clima. E para que isso aconteça, uma ferramenta que pode ser importante é liderar pelo exemplo. Agir dentro dos campi universitários para que sejam mais sustentáveis, incluindo operações de baixo carbono, e a consideração dos grupos vulneráveis na perspectiva da justiça climática. Mas não só agir, mas dar visibilidade a essas ações. Sem a visibilidade, o impacto da liderança pelo exemplo com certeza se perde.

Um exemplo dessa centralidade é o programa USPSusten, em que pesquisadores, junto à Superintendência de Gestão Ambiental (SGA), vêm produzindo, além da pesquisa básica, pesquisa aplicada em conjunto com instituições como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), com a finalidade de geração de conhecimento; além do mapeamento e análises de iniciativas que buscam contribuir com ações viáveis que possam levar o País ao cumprimento de seus compromissos de redução de emissões de GEE.

* Alexandre Aguiar, Thais Diniz e Tailine Corrêa dos Santos, pós-doutorandos do programa USPSusten da Superintendência de Gestão Ambiental da USP

Publicado originalmente no Jornal da USP em  9/5/2023. 

Águas cíclicas: conectando soluções

Águas cíclicas: conectando soluções

Por Leonardo Capeleto de Andrade, pós-doutorando no Instituto de Geociências da USP, Luciana Yokoyama Xavier, pós-doutoranda no Instituto Oceanográfico da USP, Ana Paula Pereira Carvalho, pós-doutoranda na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, e outros autores*  

Leonardo Capeleto de Andrade – Foto: Arquivo Pessoal
Luciana Yokoyama Xavier – Foto: Arquivo Pessoal
Ana Paula Pereira Carvalho – Foto: Arquivo Pessoal

Antes de deixar os céus, uma gota d’água percorre a atmosfera em nuvens originadas de rios, lagos ou do oceano. Ao encontrar o chão, a água busca o caminho mais fácil até seu próximo destino, podendo evaporar, infiltrar ou escoar. A água – doce ou salgada, líquida, sólida ou gasosa – conecta o planeta. Em nossas casas, usamos água desde que acordamos até a hora de dormir, em média 150 litros por dia. Além, é claro, do consumo da “água virtual”, utilizada na produção dos bens de consumo – que, quando não incorporada aos produtos, torna-se um resíduo que precisa de tratamento e disposição adequados.

As águas residuárias, tratadas ou não, chegam cedo ou tarde aos rios e ao oceano. E se não estiverem propriamente tratadas, podem comprometer a saúde dos corpos hídricos, com sérias consequências para a biodiversidade e a saúde e segurança alimentar das pessoas que as utilizam, direta ou indiretamente. Mas, há soluções.

Para além do tratamento, o reúso é uma possibilidade. As águas residuárias de fonte agroindustrial podem ser reaproveitadas, após tratamento, no processo de fertirrigação, dado seu alto teor de macros e micronutrientes. A sua aplicação colabora com a produtividade, minimiza a utilização de fertilizantes sintéticos e reduz a demanda por água de melhor qualidade para esse fim. Esse reúso requer, todavia, um acompanhamento, não só da qualidade dessas águas, como também o mapeamento de áreas aptas que podem ser irrigadas – considerando, por exemplo, o tipo de solo e sua ocupação, a inclinação do terreno, profundidades do aquífero e a proximidade dos rios, para garantir a segurança desse tipo de aplicação.

Outra abordagem possível é a valorização dessas águas. Quando pensamos em águas residuárias industriais e agroindustriais, uma mudança no olhar pode transformar o que hoje é um resíduo em um subproduto. Atualmente, águas residuárias ricas em matéria orgânica já são utilizadas na produção de energia limpa na forma de biogás. Além disso, outros compostos como ácidos orgânicos e álcoois (de interesse para indústrias farmacêutica, alimentícia, entre outras) e até mesmo bioplásticos podem ser produzidos a partir do processamento dessas águas. Promove-se assim uma mudança de paradigma, onde o tratamento de águas residuárias deixa de ser somente uma obrigação para atendimento às legislações ambientais e passa a ser uma oportunidade de negócio, boa não só para a indústria como para o meio ambiente.

Soluções sustentáveis como essas reduzem a poluição das fontes de abastecimento, que afetam a qualidade de vida das populações e exigem tratamentos de água mais complexos. E este monitoramento da qualidade começa no local onde a água é captada, sendo avaliada a qualidade da água bruta, importante para definir como a água será tratada. Esse processo é necessário para que a água não tenha cor, sabor, cheiro e substâncias tóxicas. Para aumentar a eficiência do tratamento de água e diminuir os custos gerados (e o valor da conta de água paga pelos consumidores), é necessário conhecer a qualidade da água bruta de forma instantânea, possibilitando ações imediatas. Como, por exemplo, desenvolvendo um dispositivo que analise parâmetros diretamente na captação de água.

E uma das fontes de abastecimento são as águas subterrâneas, que são responsáveis pelo abastecimento de milhões de pessoas. A gestão e manutenção da qualidade e níveis dos aquíferos são uma questão de segurança hídrica para diversas cidades brasileiras. Apesar disso, a recarga dos aquíferos ainda não é uma realidade no Brasil. As águas das chuvas (que alagam muitas ruas) e outras fontes adequadamente tratadas poderiam ser utilizadas na irrigação e infiltração de áreas verdes ou mesmo diretamente injetadas nos aquíferos. Soluções integradas são importantes mecanismos de aumento da resiliência de cidades frente ao aumento das demandas e às mudanças climáticas globais.

As águas estão conectadas e tudo o que não conseguimos tratar em terra acaba sendo carregado pelas águas para o oceano (o maior corpo de água de nosso planeta), onde resíduos se acumulam e interagem negativamente. E é fato que sabemos pouco sobre o Oceano, mas o pouco que sabemos mostra que os impactos das atividades humanas estão presentes desde a superfície às maiores profundidades. Enfrentar esses impactos demanda uma gestão integrada dos recursos hídricos no Brasil. Para subsidiar esses processos que considerem as conexões terra-mar, precisamos inovar para ter uma ciência mais democrática, inclusiva, propositiva e integrada.

Pesquisas interdisciplinares, como as que são realizadas no programa USPsusten, contribuem para a segurança hídrica e bem-estar para as atuais e futuras gerações. Estas soluções propostas vão diretamente ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 6 e 14, da Agenda 2030 da ONU, e, assim como a água, conectam os demais objetivos.

* Mirian Yasmine Krauspenhar Niz, pós-doutoranda na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, e Alexander Ossanes de Souza, pós-doutorando no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP. Todos os autores fazem parte do programa USPsusten.

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(Originalmente publicado no Jornal da USP em 30/03/2023.)

USPSusten oferecerá bolsas para pós-doutorandos com pesquisas na área ambiental

São oferecidas 28 bolsas no valor de R$ 8.479,20 mensais, com duração de 12 meses. As inscrições podem ser feitas pela internet, de 13 a 26 de junho

Por Erika Yamamoto
Publicado no Jornal da USP em: 10/06/2022

Na semana de comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, a Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) lança o Programa USPSusten, com a proposta de gerar conhecimento para a construção de sociedades sustentáveis, a conservação do meio ambiente e a formação de recursos humanos comprometidos com tais objetivos.

“O desenvolvimento sustentável, com responsabilidade ambiental, requer forte engajamento em pesquisa e inovação, merecendo tratamento prioritário na USP. Pensando nisso, a Universidade concederá até 28 bolsas de pós-doutorado de forma a produzir dados e análises científicas que contribuam com as políticas públicas e o avanço das temáticas selecionadas”, afirmou o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior.

Superintendente de Gestão Ambiental, Patrícia Iglecias – Foto: Divulgação

Além de aplicar a Política Ambiental da Universidade, o programa deve estimular parcerias com setores do governo e da sociedade para cooperação técnica e financeira.

Para a superintendente de Gestão Ambiental, Patrícia Iglecias, “o USPSusten cria uma oportunidade ímpar para gerar conhecimento para a construção de sociedades sustentáveis, a conservação do meio ambiente e a formação de recursos humanos comprometidos com tais objetivos, conectando a Universidade às políticas públicas hoje em curso no Estado de São Paulo, na área ambiental”.

 

Bolsas para pós-doutorandos

A primeira iniciativa no âmbito do USPSusten é a seleção de 28 bolsistas vinculados ao programa de Pós-Doutorado da Universidade para atuar em temas como águas subterrâneas, construções sustentáveis, educação ambiental, energia renovável, emissões de gases do efeito estufa, mudanças climáticas, oceanos, recursos hídricos, saneamento, segurança alimentar, entre outros.

A coordenadora do programa, Tamara Gomes, ressalta que “o USPSusten criará oportunidades de parcerias entre a Universidade e diferentes setores da sociedade, na construção de ambientes resilientes. A conservação dos recursos naturais, tecnologias para operações e processos mais eficientes, a redução da emissão de gases poluentes e a economia circular serão pontos de destaque abordados pelos projetos propostos”.

As bolsas, no valor de R$ 8.479,20 mensais, têm duração de 12 meses, com possibilidade de renovação por igual período. Além da bolsa, o programa destina um valor mensal adicional de 10% do valor da bolsa para a constituição de uma reserva técnica. Esses recursos poderão ser utilizados para custear a participação em eventos, a publicação de artigos ou livros, diárias e passagens aéreas, compra de material de consumo para pesquisa e outros gastos.

Os interessados podem realizar a inscrição entre os dias 13 e 26 de junho, preenchendo o formulário on-line. Para mais informações, consulte o edital disponível na página da Superintendência de Gestão Ambiental.